A Inspetora Terezona chega à escola todos os dias às seis e quarenta. Bate o cartão-ponto, veste o guarda-pó cor de rosa, que parece encolher a cada semana. Polaca viçosa, gorda, despachada, é um “pé-de-chumbo” no trabalho diário de caça às ilegalidades de alunos e professores.
Nas cinzentas e frias manhãs de Curitiba o grupo de inspetoras se reúne num quartinho isolado que serve de vestuário e cantina. Moralistas, conhecem detalhes da vida do corpo docente. Das línguas ferinas não se salva ninguém! O papo se alonga regado com chá quente, pão caseiro, geleia e cuque, trazidos de casa. Entre elas circula o catálogo do Avon. As ofertas são apresentadas com a insinuação de que sempre é bom um presentinho para os maridos ou esposas… Ou seja lá quem… Nesses tempos modernos, nunca se sabe!
Um papo apimentado inicia o dia. As fofocas são difíceis de desfofocar.
Terezona dispara:
-Sabem quem eu vi ontem de noite perto do prraça Rui Barbosa? Imaginem só… Num desses “draivin”… Um pôca-vergonha… E dentro do carro… com os vidro fechado… Tudo suados… os vidros… né…
A assistente de Terezona dispara:
-Ah! Já sei. A professora Joana com o professor Ricardo…
-Ih! Iche… Isso já é velho, minha gente… É muito pior… É o diretor do noturno, minha gente… Dentro do carro com aluna… Um pôca-vergonha… Num grrudaçom que só vendo…
Com a temperatura beirando a zero grau o clima esquenta ainda mais:
Terezona continua:
E tem mais… Sabem a Jurrema, gente… lembram? Aquela inspetorra toda empirriquitada, com saia curta e decotomm, que vinha com unha comprrida pintado semprre de vermelhom? Disse que não podia mais vir de manhã por causa do mãe doente? Tudo mentirra… O que querria é vir de noite… Ontem parrecia que ia pra boate, mais empirriquitada ainda… Cabelo comprridom pintado de vermelho! Sabem o que fazia? Tava caçando hôme no Prraça Rui Barbosa… Um pôca-vergonha… Eu sempre desconfiei… Mulher sérria nom se enfeita… Ai tem coisa… Não falha… É hôme na certa!
-Essa Jú nunca me enganou, ataca outra inspetora.
Terezona se sacode toda e proclama às gargalhadas.
-Eu nom prreciso caçá hôme na rua, nem no praça… Grraças a Deus! Tenho hôme em casa… E dos bons… Tô bem servida…
Ainda no aquecimento matinal começam a inspeção diária: chaves, giz, o colorido não pode faltar. As professoras solteironas sempre reclamam a falta do giz colorido. Ah!… Os corredores e os banheiros ganham inspeção especial. Alvos de estórias malfadadas, mal acabadas, abafadas, não confirmadas… Conteúdos de aprendizagem informal sob o signo do proibido. Nos corredores, às escondidas, circula a iniciação ao fumo e ao namoro. Histórias das mais singelas às mais escabrosas alimentam a fantasia de todos. As pichações das paredes registram, de forma sui-generis, a “cultura underground” da escola.
A perspicácia e o espirito de perquirição dos alunos não têm limites. A criatividade perde a correção ortográfica e ganha espaço nas paredes dos banheiros, em cima das carteiras, junto com os chicletes grudados embaixo.
Lê-se:
“Sanmdrinha é galinha” – “A claudia dá prá tudo mundo” – “O Zé é viado!” – “A terezona sabi de tuuuudu” – “A professora Célia dá pro professor Carlão”. “Pro melhor amasso use o banheiro no térreo depois das cinco i meia… Falei e disse…” RICARDÃO É BICHONA: Pô… todo mundo sabe… Essa é velha… kkk” ahahah…” Todo mundo finge que não sabe… kakakaka”
Depois de gostosamente comentadas, Terezona investiga cada pichação, assume atitude professoral de revolta e protesto, e finalmente emite o aval conclusivo:
– Tudo confirmado… Verdade pura!
Nas férias as atas iconográficas são raspadas das carteiras, as paredes dos corredores e dos banheiros são pintadas, enterrando junto a gramática portuguesa. Um novo calendário letivo se inicia. O pedido de socorro do corpo discente é enterrado. A oportunidade de uma proposta educacional é enterrada junto.
Por Gilka Correia